Sobre a arte e o café

Nesse teatro da vida esse carinha que escreve aqui já foi ator. Já fui vilão, já fui heroi, já fui policial e já fui bandido. Já fui o cocô do cavalo do bandido, e já fui a mosca que pousou na sopa de alguém. Sinceramente, hoje estou muito mais contente ao me tornar espectador e de vez em quando contribuir com o que eu for capaz de fazer para ajudar aqueles que tentam puxar a carroça adiante. Estou usando esse espaço em plenas seis horas da manhã para discutir sobre café mais uma vez. Alguns dos meus amigos se espantam pelo quão encantado eu sou por esse mundo, e do outro lado, eu é que me espanto por eles não conseguirem entender o que eu sinto pelo café. Portanto, toda vez que se tiver que explicar um sentimento, nada o explicará tão bem quanto a arte e o artista precisará entrar em cena.
Para começar, como você descreveria a intensidade da fome que você sentiu ontem à noite quando chegou da rua? Faminto, morto de fome, brocado, mei com fome ou varado da zorra com fome pacaralho? Agora pense comigo sobre o dia em que você precisou se despedir de alguém relevante para você. Como foi a sensação? Triste, alegre, horrenda, inesquecível, de partir o coração ou de cair o cu das calças? Repare que cada termo utilizado te remete a uma sensação diferente. E quando se trata de cafés e de sentimentos, não existe nada realmente igual. A não ser que você apenas tome cafés mecanizados ou busque apenas ruminar os mesmos sentimentos (preciso mesmo descrever isso?).
Meus rituais de tomar café para começar o dia tem se tornado cada vez mais religiosos, no sentido de me aprofundar mais no autoconhecimento através do paladar; é uma conversa que tenho comigo mesmo com a ajuda do café. E juro por Deus que não coloco nada psicoativo nas minhas bebidas. De psicoativo já basta a própria mente. Mas às vezes fico pensando nas notas sensoriais que dou pros meus cafés e penso, cara, quem é que vai entender o que é um café brilhante ou que porra é um café redondo mesmo? O grande ponto da arte em geral é que basta que exista apenas mais um entendedor além do artista que a visualizou para que ela se torne válida, e não um mero devaneio autista. Por isso o artista é um ser que caminha no escuro portando uma lanterna, à procura da saída ou simplesmente à procura de uma companhia dentro dessa escuridão que é a vida.
Então concluo que os profissionais da cadeia do café são grandes tecelões das sensações humanas. Os produtores são responsáveis pela criação do objeto de estudo e admiração de uma série de malucos ~ os quais felizmente posso me incluir ~ que tentam trazer para o contexto linguístico algo que é preparado por diversas mãos de forma completamente artesanal. Talvez se no meio da cadeia o torrador tivesse tido um dia meio ruim, o café na ponta poderia ter defeitos mais evidentes, ou se de repente o barista estivesse de mau humor ou de má disposição, certamente o café refletiria aquele que o preparou naquele momento. Um grande amigo uma vez me disse que as pessoas também podem ser ácidas, ríspidas, azedas ou amargas. Assim como também podem ser moles, frutadas, florais e com doçura acentuada. Guardo esse pensamento comigo até hoje, e sou imensamente grato em poder ver que pelo menos mais alguém compreendeu o que ele visualizou. E através das notas sensoriais que damos aos cafés que tomamos, nos damos conta que temos a capacidade de construir uma nova linguagem, e a oportunidade para isso está não apenas na ponta da língua, mas também nas laterais e no restante do palato.
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